1336 – VIDA: CARA & COROA


Quando da minha última viagem a João Pessoa, PB, na companhia da Sissa, minha atual inspiração, e do casal Cleide/André Martins, ele um enteado quase-filho, ficamos hospedados numa pousada à beira-mar, de excelentes acomodações para visitantes rápidos que nem nós. Na primeira manhã, após um café-com-pão matinal sem firulas, um sábado chuvisquento, visitamos um shopping famoso, onde me despertei por um livro exposto numa livraria de excelente qualidade expositiva: As duas faces da vida – textos reunidos, Hermínio C. Miranda, Bragança Paulista, SP, Instituto Lachâtre, 2013, 320 p.
O desejo de compra ampliou-se quando constatei ser de Dora Incontri a autoria da apresentação, ela que considero uma pedagoga-pesquisadora de gigantesco valor, sempre a nutrir uma admiração imensa pelo Miranda, segundo ela um analista kardecista que seguiu rigorosamente a recomendação deixada pelo Codificador, a de “conter tanto o sério quanto o agradável”.
Na Apresentação, Dora Incontri ressalta os dois tipos de escritos contidos no livro. Nos primeiros, o autor do livro escreve sobre as mediunidades acontecidas na história, onde se destaca uma história oculta do nazismo, ressaltando as raízes profundas de uma das maiores tragédias de todos os tempos, inclusive os componentes espirituais que engendraram o nazismo, uma maquinação muito bem estruturada e consciente das forças das trevas, que tinham por fim a dominação do planeta. Nos segundos textos, também escritos pelo Hermínio Miranda, reflexões sapienciais sobre temas metafísicos e morais, como o que trata de Deus e do perdão, além de análises envolvendo a psicologia e a bioética. E ela conclui: “o leitor fará um passeio ávido e estimulante pela diversidade dos assuntos e das narrativas entre as duas faces da vida, a física e a espiritual, ambas pertencentes a uma mesma realidade”. E mais: “Somos seres interexistentes. Tudo na história, no cotidiano, na mente, se expande além da dimensão física e restrita do corpo, para se projetar na interexistência. A consciência disso torna a vida muito mais excitante, com sentido mais pleno e propósito mais nobre”.
Na mesma estante, um outro livro de Miranda me deixou com uma vontade danada de quero-outro: Guerrilheiros da intolerância, Bragança Paulista SP, Lachâtre, 2018, 256 páginas. Nele, num capítulo inicial denominado História do Livro, o autor revela como e por que escreveu o texto editado. Ele explica: “houve tempo em que um ambicioso projeto literário ocupou grande espaço da minha mente. Eu desejava escrever um livro no qual estudasse reencarnações do meu espírito em mais de uma existência. Escolhi para isso algumas figuras históricas conhecidas sobre as quais dispunha de informações que, pelo menos, justificavam o empenho em relatar aquilo que, provisoriamente, eram suas multibiografias”. Depois de idas e vindas e algumas coincidências, três personalidades foram biografadas: Hipácia, bela filósofa de Alexandria, Giordano Bruno, o metafísico do Renascimento, e Annie Besant, escritora que conseguiu isolar-se do tumulto à sua volta para ler, meditar e escrever, tornando-se teosofista em 1889. Apelidada também de “procelária” – palmípede que, voando em bandos sobre as ondas do mar, anuncia que vem tempestade –, insistia em desafiar sem temor o establishment para falar sobre incômodas realidades espirituais, como a reencarnação. O ateísmo também tendo sido um dos seus temas favoritos, ela sendo contrária a qualquer tipo de restrição à liberdade de pensamento.
No primeiro livro, acima citado, uma série de artigos publicados na imprensa, Hermínio Miranda, desencarnado em 2003, 8 de julho, concedeu quatro entrevistas, uma à Revista Internacional de Espiritismo, outra no GEAE – Grupo de Estudos Avançados do Espiritismo, uma terceira à Folha Espírita e a quarta ao Correio Fraterno do ABC. Além de duas conferências, a primeira intitulada A Hora da Decisão, a outra sobre A Síndrome da personalidade múltipla e suas implicações com a obsessão e a possessão. Para encantar mais os leitores, o primeiro artigo do livro – O Fantasma do Redingote Amarelo – ressalta os avisos dados ao rei Luís 18, cujo infeliz reinado encerrou-se com sua morte, em 1824.
Hermínio Corrêa de Miranda é ainda considerado um dos campeões de venda da literatura espírita do Brasil. Formado em Ciências Contábeis, trabalhou na Companhia Siderúrgica Nacional de 1949 a 1980, tendo exercido parte de suas atividades, cinco anos, no escritório da Companhia em Nova York. É considerado a maior autoridade brasileira no campo da mediunidade. Inquestionavelmente, uma pena precisa e talentos.
Um terceiro livro do Miranda foi lido há algumas semanas, enviado pelo Clube do Livro de Divinópolis, Minas Gerais: O Evangelho Gnóstico de Tomé, Bragança Paulista SP, 6ª. edição, 2017, 256 p. Contendo uma Introdução e duas partes amplamente esclarecedoras: I – O gnosticismo e a realidade espiritual; II – O Evangelho de Tomé. Na Introdução, um esclarecimento ignorado pela grande maioria dos cristãos, a de que, no decorrer dos três primeiros séculos da era cristã, mais de uma centena de seitas dissidentes pugnaram pela hegemonia da Mensagem do Nazareno. O livro analisa sobre as tendências diversas que buscavam o reconhecimento da maioria, resultando inúmeras vezes em contendas ideológicas nem sempre pacíficas. E vai além, o Miranda: “Estamos diante de uma estrutura doutrinária danificada por inúmeras infiltrações e irrecuperáveis fraturas e que nada tem a dizer a uma humanidade aturdida que, à falta de conhecimento confiável, vaga sem rumo, em busca de mecanismos de fuga, em esforço inútil para escapar a uma realidade incompreensível e perversa.”
Livros amplamente recomendáveis para períodos de férias e reflexões 2020, ampliando enxergâncias e consolidando uma consistente criticidade cidadã.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social