1334 – UM NATAL PORRETA PARA TODOS


Nas proximidades do nascimento do Menino Amado, desejo ardentemente que o Natal 2019 nos proporcione instantes de reflexão capazes de favorecer um caminhar ainda mais dignamente resoluto na direção do ômega chardiniano. Sem medo de ser feliz, sob hipótese alguma.
Aproveito os votos aqui enviados para todos aqueles que nos fizeram bem, também para aqueles que não nos estimam, para ressaltar um livro-gigante que me proporcionou um bem extraordinário este ano:
EM BUSCA DE SENTIDO: UM PSICÓLOGO NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO, Viktor Emil Frankl, 46ª. edição, São Leopoldo RS – Sinodal / Petrópolis RJ – Vozes, 2019, 184 p.
Um livro que descreve a experiência vivenciada pelo autor num campo de extermínio nazista, que o levou à descoberta da logoterapia. Como prisioneiro num campo de concentração durante longo tempo testemunhou seres humanos serem tratados de modo pior que animais. Um campo de concentração nazista que assassinou seu pai, sua mãe, a esposa e um irmão. Uma experiência revelada em livro para que jamais tal anormalidade volte a acontecer.
Permitam-me os leitores que descreva a trajetória do autor do livro que me fez ser mais humano: Viktor Emil Frankl (1905 – 1997) é reconhecido como um dos maiores psiquiatras da história, criador de um método terapêutico baseado na busca pelo sentido da vida. Em 26 de março de 1905, Frankl nascia em uma família austríaca judia e já contava com duas irmãs. Os pais eram funcionários públicos e a família tinha uma vida confortável. Até que veio a Primeira Guerra Mundial e, como muitas outras famílias judias, a de Frankl também mergulhou na pobreza, dependendo inclusive de esmolas para sobreviver.
Enquanto fazia o ensino médio, em meados de 1920, Frankl já se interessava por filosofia e psicologia. Aos dezesseis anos de idade, deu a sua primeira palestra, chamada Sobre o Sentido da Vida, na cidade onde morava. Já naquela época, o jovem tinha algumas ideias sobre o que à frente se transformaria na técnica de psicoterapia que se baseia na busca do sentido da vida, a logoterapia.
Enquanto cursava medicina, Viktor sempre esteve envolvido em questões políticas: foi membro do Partido de Jovens Trabalhadores Comunistas no ensino médio e chegou a ser presidente da mesma organização em 1924. Seu envolvimento político repercute na sua determinação de permanecer em terras austríacas mesmo com a invasão alemã na Segunda Guerra.
Viktor tinha um interesse genuíno pelo campo da psicologia e muito talento. Depois de escrever o seu trabalho de conclusão do ensino médio, Sobre a Psicologia do Pensamento Filosófico (1923), ele começa a se corresponder com o então famoso psicanalista Sigmund Freud, que não só gostou do que leu, como encoraja o jovem a continuar escrevendo. Já como graduando em medicina, Viktor publica o seu primeiro artigo científico na revista International Journal of Individual Psychology, aos dezenove anos de idade.
Enquanto fazia a faculdade de medicina, Viktor Frankl desenvolvia projetos paralelos, como falas de prevenção ao suicídio para jovens estudantes. Suas ideias em relação à vida e aos valores humanos é o que o impulsiona a fazer ligações entre a filosofia e a psicologia e em 1926 ele fala pela primeira vez, em um congresso, sobre a logoterapia, a terapia focada em buscar o sentido da vida.
Em meados dos anos 1930, quando Viktor tinha apenas vinte e cinco anos de idade, já começava a ser notado pela comunidade acadêmica e médica como um homem à frente de sua época. Convidado a apresentar trabalhos por toda a Europa, Frankl faz residência em psiquiatria e neurologia e em 1930 assume a responsabilidade por uma ala conhecida como Pavilhão do Suicídio num hospital psiquiátrico em Viena.
Em 1938, Viktor já atendia em seu próprio consultório de neurologia e psiquiatria, era reconhecido como um profissional que criou uma nova forma de tratamento terapêutico, baseado em preencher o vazio existencial com um sentido e já se relacionava com a enfermeira Tilly Grosser, que trabalhava no hospital onde ele atendia. Em março de 1938 as tropas nazistas fazem a anexação político-militar da Áustria. A família de Frankl, judia, está ameaçada. Mesmo tendo visto para viver nos EUA, o médico decide ficar no país. Salva milhares de judeus da morte recusando-se a recomendar eutanásia aos pacientes com doenças mentais.
Nessa época, o anti-judaísmo atinge a família de Viktor Frankl. Sua recém-esposa Tilly Grosser é obrigada a abortar seu primeiro filho pelas tropas nazistas. Os pais e a irmã de Viktor são enviados para campos de concentração diferentes, bem como ele e a esposa. Todos morrem: o pai de exaustão e a mãe enviada às câmaras de gás. A irmã sobrevive refugiada na Itália e Viktor passa três anos sob condições terríveis, que depois tornaram-se mensagens de esperança em seu livro Em Busca de Sentido (1946).
Em 1945 acaba a Segunda Guerra e Viktor é libertado. Ele sobreviveu a três anos de trabalho forçado em condições miseráveis e ainda assim conseguiu roubar alguns papéis e escrever as ideias principais de sua obra-prima, escrita em nove dias e lançada já em 1946.
Os anos seguintes foram de total recuperação: Frankl casou-se novamente, teve uma filha, conseguiu o seu título de doutor em filosofia, tornou-se professor da Universidade de Viena, fundador e presidente da Sociedade Austríaca de Medicina Psicoterapêutica. Recebeu também mais de 25 títulos honorários por suas ideias e trajetória e escreveu diversos livros. A logoterapia tornou-se um método de tratamento estudado e respeito pela comunidade científica e acadêmica, sendo considerada a terceira escola da terapia vienense, depois de Sigmund Freud e Alfred Adler.
Uma frase de Viktor Frankl bem resume sua linha de pensamento: “Nós podemos descobrir o significado da vida de três diferentes maneiras: fazendo alguma coisa, experimentando o amor, e sofrendo.
Um Feliz Natal bem porreta para todos, independentemente de raça, credo, etnia, escolaridade, classe social e gênero. Que o Menino Amado nos abençoe cada vez mais intensamente !!


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social