1324 – MISSÃO DAS CIÊNCIAS HUMANAS


Estou radicalmente convencido de que os amanhãs do mundo estão umbilicalmente vinculados ao desenvolvimento das Ciências Humanas, hoje uma das áreas mais desprestigiada do ensino superior brasileiro, muitas vezes implantadaS para usufruto de um ensino cuspe-e-giz lucrativo e sem qualquer senso crítico e atualização bibliotecal, inúmeras vezes reduto de sectarismos ideológicos ultrapassados ou simplesmente agregados a agremiações partidárias.
Não há, na área das Ciências Humanas do Brasil, salvo mínimas e honrosas exceções, contribuições consistentes para o crescimento ético individual de profissionais comprometidos com o desenvolvimento justo e igualitário, regional e nacionalmente. Onde se deveria combater posturas oportunistas que apenas ampliam desesperanças múltiplas e descrenças no setor político. E ainda são menosprezados os direitos humanos e os valores democráticos, bem como renegadas as religiões libertadoras, as crenças sendo utilizadas como mecanismos alienantes de arrecadação financeira, tudo o mais se voltando para tecnologias que tão somente ampliam a concentração de renda, os menos desenvolvidos subordinados a estratégias de sociedades mais poderosas.
As atualizações das bibliotecas na área de Ciências Humanas é uma das maiores tragédias do ensino superior brasileiro. Outro dia, numa visita de cortesia feita a uma unidade de ensino superior da região metropolitana do Recife, indaguei da “responsável” pela biblioteca como andavam as aquisições de livros. E, no embalo, perguntei se tinham adquirido o novo livro de Domenico de Masi, intitulado O mundo ainda é jovem: conversas sobre o futuro próximo, editado recentemente pela Editora Vestígio, São Paulo. A jovem e ainda muito desorientada “responsável”, além de não responder, espantou-se: – Quem é esse cara?
Por acaso, o livro em apreço estava na minha pasta. Mostrei a ela, declinando o seguinte sumário: Apresentação; Introdução; Desorientação e projeto; Longevidade e velhice; Androginia e gêneros; Digitais e analógicos; Trabalho e ócio; Medo e coragem; Engajamento e egoísmo; Classe e indivíduos; Inteligência e sentimentos; Felicidade e leveza; Advertência.
E mais fiz. Mostrei a Apresentação do livro, de autoria de Roberto D’Ávila, onde ele cita um testemunho de Oscar Niemeyer, um dos grandes amigos do notável pensador italiano: “O De Masi é o homem mais feliz que eu conheci”. E uma segunda pergunta dela quase me deixa entupigaitado: – Esse Niemeyer é norte-americano?
Como velho professor, mostrei à jovem pretensa “responsável” pela biblioteca da instituição que a leitura do livro faria a estudantada de Ciências Humanas compreender melhor o mundo atual, vivendo nele com mais alegria, ainda que embalada pelos seus múltiplos mistérios e contradições. E disse mais: considerava Domenico de Masi um sempre à frente do seu tempo, que ressalta no livro riscos que corre a democracia que conhecemos, bem como questiona os benefícios causados pela tecnologia, uma complexidade manipulada por inúmeros, com poucos grupos dominantes, a política aceleradamente dando vez às finanças. Páginas destinadas aos que buscam iniciar um “voo de horizonte” pela cultura universal. Uma oportunidade ímpar para se tornar um ser humano mais solidariamente cidadão. E que o livro era uma vacina eficaz contra nostalgias e desmemórias.
Gostaria muito de fotografar o semblante da jovem “responsável” pela biblioteca. Sem um mínimo entusiasmo, integralmente intoxicada pela asneirice ambiental que reinava por aquelas bandas travestidas de faculdade. Informado da sua idade, 24 anos, e da sua escolaridade completa, Ciências Sociais, voltei pra casa com a sensação de tempo perdido, com muita pena daqueles jovens que estavam se imaginando em formação num estabelecimento fingidamente universitário, se preparando para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais exigente.
Lembrei-me, chegado em casa e recolhido ao gabinete de estudo, de uma recomendação do médico cearense espírita Dr. Bezerra de Menezes: “O caminho do vício é tortuoso e ingente, causando muitos danos a todo aquele que o percorre irresponsavelmente, sedentos de prazeres mórbidos. A verdadeira saúde inicia-se no pensamento dignificante que constrói vigorosos combatentes psíquicos sempre em vigilância e na posição de luta contra os vírus produzidos pelos adversários do bem, que invadem a organização celular das criaturas levianas, sustentando-as nas aspirações doentias a que se adaptam e nas quais se comprazem.” E o Dr. Bezerra de Menezes ainda complementa: “Nestes dias da grande transição planetária ocorrem e sucederão muitos fenômenos aterradores, que são os frutos apodrecidos da conduta social das criaturas terrestres, cada vez mais degradada, chamando a atenção para a mudança que se dará, propiciando harmonia e legítima alegria de viver.”
Lamento profundamente o declínio da área de Ciências Humanas no Brasil. E faço minhas as palavras de Norberto Elias: “As consequências imediatas de tal declínio, de uma perda de poder e de status, são os sentimentos habituais de desânimo e desilusão, da falta de valor e de objetivo, misturados a inclinação ao cinismo, niilismo e recolhimento, que podem se tornar dominantes.”
Aguardemos para breve um ministro da Educação menos subserviente à política econômica e o término de uma contagiante aversão de inúmeros à política multifacetada, quando a cidadania de todos raiará no céu da Pátria.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social