1322 – ORIGENS DO NAZISMO E O HOLOCAUSTO


1. Muitos acreditam que o nazismo é decorrência de geração espontânea, fruto de mentes doentias e amplamente desmoralizadas, antissemitas por derradeiro, ansiosas por vingança diante da derrota acontecida na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), inclusive um Tratado de Versalhes imposto humilhantemente pelas forças aliadas.
A leitura de um livro esplendorosamente resultante de pesquisas exaustivas desconstrói a ingenuidade acima: Espelho do Ocidente, Jean-Louis Vullierme, Rio de Janeiro, DIFEL, 2019, 363 p. Uma análise consistente sobre o nazismo e a civilização ocidental. Segundo o autor, “sou de uma família que lutou contra o nazismo e foi parcialmente destruída por ele. Isso já seria motivo suficiente para me interessar pelo assunto mais que os outros, mas não é a razão principal. Sempre me pareceu fundamental entender aquele que constitui o acontecimento mais destrutivo da história moderna, identificando suas raízes para procurar extirpá-las.”
O livro é composto de duas partes, além de uma Introdução intitulada Nuremberg, cidade do Ocidente. A primeira parte – A ideologia do extermínio – é composto de seis capítulos: 1. Comentários sobre um mistério; 2. Um modelo americano; 3. A revolução nacionalista; 4. Colonialismo e brutalidade; 5. A ação histórica; 6. O Antagonismo. Na parte segunda, dois capítulos: 7. Terapias cognitivas; 8. Construções míticas, perspectivas concretas. A conclusão denomina-se Encarar o Ocidente.
Na Conclusão, uma advertência do autor: “Julguei necessário olhar o Ocidente bem de frente. Ele gerou nazismo, liberalismo, comunismo, fascismo e também humanismo. Ninguém pode considerar-se autônomo em relação a ele. … As amputações clássicas propostas são por demais parciais para que se possa esperar uma cura.”
2. Em relação ao crime mais infame da história do mundo, buscando entender como a obscenidade foi executada, recomendo uma leitura complementar à acima oferecida: O Holocausto – uma nova história, Laurence Rees, São Paulo, Vestígio, 2018, 574 p. O trabalho tem um Prólogo e um Posfácio, além de 18 capítulos: 1. As origens do ódio; 2. O nascimento dos nazistas (1919-1923); 3. Da revolução às urnas (1924-1933); 4. Consolidação do poder (1933-1934); 5. As leis de Nuremberg (1934-1935); 6. Educação e construção do Império (1935-1938); 7. Radicalização (1938-1939); 8. O início da guerra racial (1939-1940); 9. Perseguição no Ocidente (1940-1941); 10. Guerra de extermínio (1941); 11. A estrada para Wannsee (1941-1942); 12. Procurar e matar (1942); 13. Campos de extermínio nazista na Polônia (1942); 14. Matar – e persuadir outros a ajudar (1942-1943); 15. Opressão e revolta (1943); 16. Auschwitz (1943-1944); 17. A catástrofe húngara (1944); 18. Matar até o final (1945). Posfácio.
O assassino Hitler, na sua autobiografia, diz ter externado ódio pelos judeus desde quando batalhava em Viena para ser pintor, muito embora o antissemitismo tenha uma origem bem mais longínqua, bastando consultar o Novo Testamento, Jo 8,44 e Jo 8,59. Prova cabal de que ideias nocivas contra os hebreus já pululavam nos primórdios do Cristianismo, quando das primeiras transcrições evangélicas. .
No Posfácio, explicita o autor, que “o Holocausto é o crime mais infame da história do mundo. Precisamos entender como essa obscenidade foi possível. E este livro, que parte não só desse material inexplorado, mas também de recentes estudos acadêmicos e de documentos da época, é a minha tentativa de fazer exatamente isso.”
3. Para muitos de nós, brasileiros, que não imaginam a existência de movimentos revisionistas que tentam negar o Holocausto, além do recrudescimento do antissemitismo no Velho Mundo, é também mais que oportuna a leitura dos dois volumes de Histórias de Vida: refugiados do nazifascismo e sobreviventes da Shoah – Brasil: 1933-2017, Maria Luiza Tucci Carneiro & Raquel Mizrahi (coordenadoras), São Paulo, Maayanot, 2017, 2 volumes. Segundo Luiza Tucci, “os testemunhos aqui impressos foram registrados por uma equipe de pesquisadores do Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah), um dos núcleos de estudos do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER), sediado junto ao Departamento de História da Universidade de São Paulo. Representa o Arqshoah a somatória de esforços de instituições acadêmicas, fundações de pesquisa, associações judaicas e não judaicas, empresários e pessoas físicas preocupadas com a persistência do pensamento racista no mundo atual, assim como a capacidade que o homem tem de praticar o mal. E com uma Introdução que conclui: “Não podemos nos esquecer daqueles que abriram as portas de suas casas e dos orfanatos para salvar as crianças judias, muitas das quais órfãs. Pessoas anônimas do baixo clero também devem ser lembradas, pois, correndo o risco de vida, emitiram falsos atestados de batismo que facilitaram a emissão dos vistos para emigrar. Lembramos aqui o caso do Brasil que, apesar das Circulares Secretas impostas pelo governo de Getúlio Vargas (1937 e 1945), recebeu cerca de 14 mil refugiados judeus, muitos dos quais portavam vistos provisórios de turistas e de trânsito, ou vistos de católicos acompanhados de falsos atestados de batismo. Como em toda melodia, encontraremos pausas e silêncios, algumas propositais, outras compreensíveis. Caberá ao leitor identificar o fio comum que une todas as histórias impressas nesta coleção Vozes do Holocausto.”
O segundo volume da coleção contém uma cronologia Europa-Brasil, desde 1922, 31 de outubro, quando Mussolini torna-se primeiro-ministro da Itália, até 1945, 7 de maio, quando se efetiva a rendição alemã, a guerra se findando.
A solicitação do final do prefácio do volume 2 é de autoria de Y. David Weitman: “Rogamos ao Todo-Poderoso que estas obras possam ser um tijolo na grande muralha protetora dos males que geram a intolerância, a xenofobia e o antissemitismo. Que a humanidade possa merecer, rapidamente em nossos dias, o cumprimento da profecia messiânica, de que ‘uma nação não levantará a espada contra outra nação, e não aprenderão mais a travar guerras’ (Isaías 2,4).”
Saibamos ampliar a nossa fraternidade planetária !!


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social