1321 – SEMENTES PARA UMA CRITICIDADE CIDADÃ


Diante de debates acontecidos nas redes sociais ou nos canais televisivos brasileiros, jovem médico, filho de amigo fraterno, pediatra dos melhores na capital pernambucana, me perguntou que leituras deveria fazer para ampliar sua criticidade perante seu círculo de amizades. Segundo ele, os sectarismos radicais são aporrinhadores por derradeiro, favorecendo discussões rancorosas sem pé nem cabeça.

Para o jovem médico, algumas recomendações ofereço, divididas em dois blocos:
O primeiro livro do bloco primeiro, nitidamente panorâmico, intitula-se A Grande Regressão: um debate internacional sobre os novos populismos e como enfrentá-los, organizado por Heinrich Geiselberger (organizador), São Paulo, Estação Liberdade, 2019, 352 p. Que já no prefácio contém um alerta: “Quando uma ordem mundial desaba, inicia-se a reflexão a seu respeito.” O livro contém análises sobre os novos populismos de direita, a brutalização da cultura política, o surgimento de demagogos autoritários e o que podemos fazer quanto a isso.

Uma outra análise sobre o contexto mundial se explicita em O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la, Yascha Mounk, São Paulo, Companhia das Letras, 2019, 444 p. Com um prefácio à edição brasileira, o livro, segundo o The Guardian, é “uma explicação clara, concisa e perspicaz das condições que fizeram a democracia liberal funcionar – e como o colapso delas é a fonte da atual crise democrática em todo o mundo.” O livro analisa, sem escapismos procrastinadores, a natureza da crise atual, expondo uma admirável combinação de experiência acadêmica e senso político.

Uma última recomendação relativa à área planetária: O Inimigo do Povo: uma época perigosa para dizer a verdade, Jim Acosta, Rio de Janeiro, Harper Collins, 2019, 384 p. Uma análise bem elaborada de como Trump usa a instabilidade como meio de governo. Uma análise bastante criteriosa dos que estão pondo a Democracia à beira do abismo. Um retrato fiel traçado pelo autor, um repórter veterano, intelectualmente apto para interpretar os ataques feitos pelo presidente Trump à imprensa falada, escrita e televisionada da nação americana.

Na parte analítica nacional, o primeiro livro é de autoria de Sabrina Fernandes: Sintomas Mórbidos, São Paulo, Autonomia Literária, 2019, 400 p. A autora é PhD. em Sociologia, com especialidade em Economia Política pela Carleton University, Canadá. Também pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília. E ainda youtuber, produtora de um canal de divulgação científica e política intitulado Tese Onze. Segundo a revista Época, “se há alguém no progressismo youtuber capaz de fazer frente a Olavo de Carvalho, o guru do Bolsonaro, seu nome é Sabrina Fernandes.” A autora analisa a famosa tese de Antônio Gramsci, pensador marxista italiano: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece.”

Um outro livro do segundo grupo está embasado numa tese amplamente comprovada: “O antipetismo mostrou-se, na campanha de 2018, uma força social muito mais mobilizadora, e o ‘partido da lava jato’ maior que o lulismo.” Intitula-se A Eleição Disruptiva: por que Bolsonaro venceu, Maurício Moura & Juliano Corbellini, Rio de Janeiro, Record, 2019, 167 p. Os autores conseguiram explicar o resultado das urnas sem complicações academicistas, por meio de duas perguntas: 1. Quais eram os principais anseios do eleitor?; 2. Como esse eleitor estava se informando? Duas reflexões anunciam o volume: “A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente”, de José Saramago, a primeira. A segunda é de autoria de Sun Tzu reconhecido mundialmente: “Todos podem ver as táticas de minha conquista, mas ninguém consegue discernir a estratégia que gerou as vitórias.”

Dentre os textos analíticos nacionais, recomendaria ainda uma terceira leitura Brasil em transe: Bolsonarismo, Nova Direita e Desdemocratização, Rosana Pinheiro-Machado & Adriano de Freixo (orgs), Rio de Janeiro, Oficina Raquel, 2019, 164 p. Para o coordenador da coleção Pensar Político, Adriano Freixo, “compreender a dinâmica política dessa sociedade tão complexa e multifacetada e as complicadas tramas e teias nela presentes é sempre um desafio para os acadêmicos e intelectuais que se propõem a fazê-lo.

Para ainda analisar a área brasileira, outro conjunto de textos sobre as eleições de 2018, considerada “um marco no curso da história de nosso atual regime democrático, iniciado com a promulgação da Constituição de 1988”. Intitula-se Democracia em Crise? 22 ensaios sobre o Brasil hoje, Vários Autores, São Paulo, Companhia das Letras, 2019, 372 p. Em nota, os editores esclarecem: “Conscientes de nosso papel de estimular a discussão de ideias em momentos singulares, decidimos convidar intelectuais habituados ao debate público, das mais diversas áreas (mas com predomínio, talvez natural, dos que pensam política em sentido amplo), para escreverem artigos de interpretação, a quente, do fenômeno que vivemos atualmente.” Textos bastante esclarecedores, ressaltando o ensaio A bolsonarização do Brasil, de Esther Solano, PhD. em Sociologia pela Universidade Complutense de Madri, Espanha. Articulista da Carta Capital.

Por fim, para uma compreensão intelectual mais acurada, recomendo o livreto Marxismo Desmascarado, de Ludwig Von Mises, Campinas SP, Vide Editorial, 2015, 159 p. O autor (1881-1973) é considerado até hoje o maior expoente da chamada Escola Austríaca de Economia, fundada por Carl Menger. Dele a autoria do famoso tratado Ação Humana, onde Mises apresenta uma visão integral da economia, livrando-a do positivismo matemático e meramente estatístico. O livro explicita conferências de Ludwig Von Mises pronunciadas na Biblioteca Pública de São Francisco, em junho/julho de 1952. Ele acreditava que uma crítica séria ao socialismo deveria lidar com muito mais conteúdo do que sua simples inviabilidade econômica, mas com consistentes fundamentos filosóficos e políticos do homem e da sociedade.

No mais, desejando bons resultados nas leituras sementeiras do jovem pediatra, relembraria apenas a célebre reflexão do Celso Furtado, um economista que entendia desenvolvimento acima de qualquer suspeita: “O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas será que o triângulo é retângulo?”.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social