1319 – SOBRE OS AMANHÃS HEBRAICOS


Recomendado por amigo-irmão judeu, contemporâneo de Universidade Católica de Pernambuco, anos 60, hoje sediado em Campinas, docente laureado da Unicamp, adquiri o livro Tempo Futuro – judeus, judaísmo e Israel no século 21, Rabino Lord Jonathan Sachs, SP, Editora Sêfer, 2013, 269 p. Reflexões analíticas feitas pelo mundialmente conhecido rabino, que, segundo Roberto Luiz Guttmann apresentador do livro, faz “um apelo em defesa da liberdade e da afirmação e santificação da vida, fundamentada nos valores pelos quais nossos antepassados viveram e estavam dispostos a morrer: justiça, equidade, compaixão, amor ao estrangeiro e dignidade do ser humano, independentemente de cor, cultura e credo”. Segundo o Rabino Sacks, “a vida pode ser cheia de riscos e, ainda assim, ser uma bênção. Ter fé não significa viver com segurança. A fé e a coragem de conviver com a incerteza, sabendo que Deus está conosco na difícil mas necessária jornada para um mundo que honra a vida e valoriza a paz”.

Além de um Prólogo, o livro contém onze capítulos: 1. História do Povo, Povo da História; 2. Ainda existe um povo judeu?; 3. Continuidade judaica e como obtê-la; 4. O outro: judaísmo, cristianismo e islamismo; 5. Antissemitismo: a quarta mutação; 6. Um povo que habita só?; 7. Israel, portal da esperança; 8. Um novo sionismo; 9. Conversa judaica; 10. Torá e sabedoria: o judaísmo e o mundo; 11. Tempo futuro: a voz da esperança na conversa da humanidade. Além de Epílogo, Notas e Leituras Suplementares.
No Prólogo algumas reflexões do autor merecem atenção redobrada dos historiadores dos amanhãs e de todos nós, cidadãos do mundo:

a. Israel vê-se diante de um coro de reprovações internacionais à sua tentativa de combater o novo terrorismo que, cruelmente, refugia-se no meio de populações civis. Se nada faz, Israel deixa de cumprir o primeiro dever de um Estado, que é o de proteger seus cidadãos. Se faz alguma coisa, os inocentes sofrem. É um enigma capaz de causar perplexidade à mente mais criativa e atormentar a consciência mais escrupulosa;
b. Diferentemente de Theodor Herzl, que imaginava que a existência do Estado de Isael daria fim ao antissemitismo, Israel tornou-se o foco de um novo antissemitismo, quando o Holocausto é uma lembrança vívida, constituindo-se um dos fenômenos mais chocantes da história da humanidade;
c. Há uma crise da continuidade judaica. Em toda a Diáspora, em média, um em cada dois jovens judeus escolhe, por meio do casamento misto, da assimilação ou do desligamento, não continuar a história judaica, sendo a última folha de uma árvore que durou quatro mil anos;
d. Há o eclipse do sionismo religioso em Israel, e da ortodoxia moderna na Diáspora, as duas modalidades de judaísmo que acreditavam na possibilidade de manter as condições clássicas da vida judaica no mundo moderno. Os judeus ou estão se envolvendo no mundo e perdendo a identidade judaica, ou perseverando sua identidade e afastando-se do mundo;
e. Há divisões incessantes dentro do universo judaico, a ponto de ser difícil falar dos judeus como um povo com destino comum e identidade coletiva;
f. O que domina, hoje, a consciência judaica, é a imagem de um povo sozinho, cercado de inimigos, privado de amigos, levando a más decisões e correndo o risco de tornar-se uma profecia que se autorrealiza;
g. Os judeus precisam recuperar a fé, não a fé simples, o otimismo ingênuo, mas a crença de que não estão sós no mundo. A fé manteve o povo judeu vivo. A fé derrota o medo;
h. O medo gera um senso de vitimização. A vítima acha que está só e todos estão contra ela, ninguém a compreendendo. Adota então duas opções: fechar-se dentro de si ou agir agressivamente para se defender, culpando o mundo e não a si própria. Seus temores podem ser reais, mas a vitimização não é a melhor maneira de lidar com eles. O medo é uma reação errada à situação dos judeus no mundo contemporâneo, sempre se acreditando que os tempos são os piores possíveis, embora jamais, em quatro mil anos, os judeus desfrutaram, simultaneamente, de independência e soberania em Israel e liberdade e igualdade na Diáspora;
i. Apesar das guerras e terrorismos, a época contemporânea não é a pior das épocas, mas a mais desafiadora. Há um florescimento cultural, educacional e até espiritual da vida judaica na Diáspora que seria inimaginável um século atrás; e
j. Atualmente, corremos apenas o risco de esquecer quem são os judeus, por que o povo judeu existe e qual é o seu lugar no projeto global da humanidade, no passado sobrevivendo sempre sob um balizamento: não viviam só para si.
O propósito do livro, segundo o rabino Sacks, é uma questão mais ampla: quem são os judeus e por quê? E ele esclarece: “Meu papel é pequeno, sou uma voz entre muitas e tem sido um privilégio trabalhar com pessoas e instituições judaicas e não judaicas, que fazem muito mais”. Embora ressalte: “Existe uma ausência nesses esforços. Não é culpa de ninguém. É o preço que se paga pela urgência e envolvimento. Notei que estava faltando o quadro maior, a perspectiva histórica, ligar os pontos para formar uma figura que nos mostre o quem, o quê e o porquê da situação judaica contra o vasto pano de fundo da paisagem humana histórica”.

Citando um versículo bíblico mais lido por não judeus que por judeus – “Sem visão, o povo perece” (Provérbios 29, 18), o autor enaltece a leitura por todos aqueles que acham que o século 21 tem configurações diferenciadas dos séculos anteriores, onde “o velho semitismo, produto do nacionalismo romântico europeu do século 19, não é igual ao novo, por mais antigos que sejam os mitos reciclados. Não se pode combater o ódio transmitido pela internet do mesmo modo que se combatia o ódio pertencente à cultura pública”.

A conclusão do autor, no Prólogo de um livro que deve ser urgentemente mais divulgado e debatido, é uma convocação para cristãos, muçulmanos, budistas, hindus, sikhs e humanistas seculares: “O povo judeu é antigo, porém ainda cheio de energia moral; conheceu as piores aflições do destino e, no entanto, continua capaz de alegrar-se, mantendo-se como símbolo vivo da esperança”.

É chegado o tempo de uma ampla confraternização universal !! Para o bem de todos nós !!


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social