1317 – VACINA CONTRA MENTIRAS


Uma reflexão que nos impulsiona para uma maior responsabilidade social: “A melhor defesa contra prevaricadores ardilosos, a mais confiável, é que cada um de nós aprenda a pensar criticamente. Falhamos em ensinar nossos filhos a lutar contra a evolucionária tendência em direção à ingenuidade.” Ingenuidades dos mais diferenciados quilates, políticos, religiosos, morais, científicos, midiáticos quase todos eles. Quem é o autor da constatação? Daniel J. Levitin, PhD professor de psicologia e neurociência comportamental na Universidade McGill, também chefe de Departamento de Ciências Sociais e Artes na Minerva Schools, em San Francisco, Estados Unidos.

O livro de Levitin foi editado do Brasil pela Editora Objetiva em julho corrente. Intitulado O guia contra mentiras: como pensar criticamente na era da pós-verdade, 325 páginas, recebeu o seguinte elogio do The Washington Post: “Um guia para quem deseja testar a autenticidade das informações que nos inundam de cada canto, iluminado ou escuro, da Internet.”

Na Introdução do livro acima citado, o autor realça a urgente necessidade de “acabar com a ideia de que a verdade não existe mais”, mormente para uma juventude cada vez mais hipnotizada pelas maquininhas eletrônicas, hoje repleta de “teorias marginais”, segundo Daily News, um jornal nova-iorquino, eufemismos utilizados para oferecer meias verdades, visões extremadas, verdade alternativa, teorias da conspiração e as mais recente das denominações, a “fake news”. Eufemismos que desmerecem a regra maior que conclama que “dois lados de uma história existem quando há evidências que embasem os dois lados.”

Para vexame comparável com a educação brasileira, o autor cita um estudo feito pela Universidade Stanford, concluído, após dezoito meses, em junho de 2016. O assunto era raciocínio cívico on-line. Foram testados 7800 alunos do ensino médio. E a conclusão foi aterradora: “a capacidade que os jovens têm de raciocinar sobre as informações disponíveis na internet se resumia numa só palavra: desoladora.” Traduzindo: o perigo está na intensidade de uma crença que retrata um excesso de confiança de que tudo é verdade. E a pesquisa faz uma conclusão demolidora: “o comportamento mais importante do melhor pensamento crítico que falta hoje é a humildade.” Ainda não percebemos que nossa dependência da internet criará fatalmente uma geração de crianças que não sabem que não sabem. E uma única maneira sadia de fazer prosperar uma democracia é restabelecer a dignidade ética de uma sociedade cidadã, desarmando as ondas de mentiras que ameaçam o planeta como um todo.

O texto do Daniel Levitin começou a ser desenvolvido em 2001, quando o autor percebeu, lecionando pensamento crítico na faculdade, que a periculosidade e o alcance das mentiras tornaram-se extraordinários. Tais mentiras se tornaram armas. Revela o autor: “Na internet, desinformação se mistura perigosamente com informação real, fazendo com que seja difícil diferenciar as duas. E desinformação é algo promíscuo – pode acontecer com pessoas de todas as classes sociais e níveis de educação e aparecer em lugares inesperados.”

Vejamos algumas aberrações que foram divulgadas com aspectos de seriedade:

1. Numa entrevista de emprego, o gerente de telemarketing, desejando alardear a excelência dos seus funcionário, declarou ao estagiário recém chegado:
– Nosso melhor vendedor conseguiu fazer mil vendas por dia.

Levando-se em consideração que a discagem telefônica dura cinco segundos, outro tanto para o telefone tocar do outro lado, dez segundos para fazer uma oferta e para ela ser aceita e quarenta segundos para solicitar e anotar o cartão de crédito e o endereço do comprador. Tudo resultando numa ligação de 60 segundos. Ou sessenta vendas em uma hora. E 480 vendas num dia de 8 horas de expediente. Consequentemente, as mil vendas não plausíveis.

2. Num boletim metido a científico, a informação em manchete:
“O custo de uma ligação telefônica caiu 12000%”.
Se caísse 100%, o custo iria a zero. Percentagem maior, alguém estaria pagando ao usuário.

3. Um gráfico em pizza da Fox News publicou o resultado de uma parte da corrida presidencial de 2012 nos Estados Unidos. Na pizza estavam estampados os seguintes resultados: Apoiam Palim 70%, apoiam Huckabee 63% e apoiam Romney 60%. Sabe-se que a primeira regra dos gráficos em pizza diz que os percentuais dos setores somar 100%. Uma informação descaradamente inverídica.

Na parte II do livro do Levitin, uma afirmação de Alfred Lord Tennyson chama logo a atenção do leitor, prevenindo-o contra aberrações lógicas escritas como se fossem verdades absolutas: “Uma mentira que é meia verdade é a pior das mentiras.” No Brasil atual, onde agrupamentos informativos se digladiam, buscando ampliar adesões a candidatos e partidos, o contraconhecimento está se constituindo numa arma bastante eficiente contra leitores ingênuos ou malfeitores mal intencionados, ou puxa-sacos babaovísticos. Definindo o termo cunhado pelo jornalista britânico Damian Thompson: desinformação elaborada para parecer fato e que tenha convencido uma parte considerável de pessoas.

O livro deveria ser recomendado para todos os alunos do Segundo Grau e também para aqueles vestibulandos que necessitam aprimorar a lógica dos escritos e das análises para uma vida acadêmica profissionalizante e cidadanizada.

A leitura do livro nada tem de complicada. O texto é repleto de exemplos fascinantes e dicas práticas, ensinando que compreender bem as estatísticas nos tempos de “fake-news” possibilita obter um julgamento mais sagaz, entendendo mais inteligentemente o mundo que nos rodeia, recheado de embromadores analíticos de afiada lábia. Alguns até exercendo altos postos na Administração Pública Federal.


Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social