1316 – COMPORTAMENTOS VEXAMINOSOS
Uma instituição que mais influências positivas proporcionou ao mundo ocidental, o Vaticano, de alguns anos para cá se encontra envolvida com a divulgação midiática de inúmeros fatos que a estão denegrindo aceleradamente. Em 2013, li um texto demolidor de um escritor vaticanista que muito me sensibilizou negativamente: Os Pecados do Vaticano: soberba, avareza, luxúria, pedofilia e os segredos da Igreja Católica, Cláudio Rendina, Rio de Janeiro, Editora Gryphus, 2013, 358 p. Onde o autor analisa em detalhes a trajetória de uma instituição fundada pelo apóstolo Pedro, tido como primeiro bispo de Roma, embora sem qualquer fundamentação histórica. Instituição que há muito tempo vê seus dogmas e procedimentos contestados e desmascarados pelos diversos meios de comunicação, através de informes que revelam os vexaminosos comportamentos praticados nela e por ela, desde 1929, quando o Vaticano, com seus 44 hectares, foi definido pelo Tratado de Latrão, sua atuação se estendendo por dioceses, basílicas, abadias, mosteiros e um incomensurável patrimônio imobiliário pelo mundo afora.
Segundo Medina, no prólogo do seu livro, “a instituição ‘igreja’ comprometeu-se ao longo do tempo, pois a ‘santa casta’, que a dirige e controla, incorreu em ações de caráter terreno desalinhadas com a espiritual doutrina cristã, caindo em pecado ou mesmo na transgressão da lei divina, segundo interpretação catequista pela mesma Igreja.”
O livro se propõe a examinar a caminhada pecaminosa da Igreja, na sua trajetória de dois mil anos de existência, à luz dos dez mandamentos, dos sete sacramentos e dos aristotélicos sete pecados capitais, mediados por Tomás de Aquino, além de confrontá-la (a caminhada) com os denominados sete pecados capitais do terceiro milênio, proclamados pela Santa Sé, em 2008.
Os temas desenvolvidos por Rendina são os seguintes: Falso Testemunho, Avareza, Luxúria, Gula, Homicídio, Soberba e Preguiça. No Apêndice estão as seguintes informações complementares: As propriedades do Vaticano, Lista cronológica de papas e antipapas, Os 112 supostos maçons do Vaticano, Os pecados do Vaticano em documentos conciliares, os pecados do Vaticano em poesia e O glossário do Vaticano.
Este mês, a Editora Objetiva edita um outro documentário fantástico, relatando a corrupção e a hipocrisia do Vaticano: No Armário do Vaticano: poder, hipocrisia e homossexualidade, Rio de Janeiro, Objetiva, 2019, 499 p. Subdividido o sumário em quatro partes – Francisco, Paulo, João Paulo e Bento. Foi publicado simultaneamente em oito línguas e vinte países, tudo sendo baseado em fontes fidedignas, tendo a pesquisa durado quatro anos. Foram ouvidas mais de 1.500 pessoas, em trinta países, entre elas 41 cardeais, 52 bispos e monsenhores, 45 núncios apostólicos, embaixadores estrangeiros e mais de 200 padres e seminaristas. Todos as testemunhas e equipe de pesquisadores se encontram devidamente listados em mais de trezentas páginas disponíveis na internet (www.sodoma.fr, em inglês e francês).
Um livro como o de Martel jamais seria publicado há vinte anos, ou mesmo há dez anos, sendo a palavra libertada após a chegada do papa Francisco, com sua vontade férrea de reformar as estruturas eclesiásticas vaticanas, enfrentando uma séria oposição dos conservadores, inúmeros deles homossexuais enrustidos atrás do “armário” que teima em esconder segredos os mais vexaminosos possíveis. O autor adverte que o livro não aponta para a Igreja em geral, mas especificamente para um gênero “particular” da comunidade gay, de homens que projetam imagem de piedade, quando levam outra identidade nas áreas privadas, fazendo com que a instituição nunca tenha sido tão hipócrita sobre celibato e votos de castidade, escamoteando uma realidade total diferente, não mais segredo para o papa Francisco, que percebeu, quando de sua chegada em Roma, a força de uma corporação bastante consciente de sua caminhada influenciadora dentro e fora da área eclesial. Uma força classificada pelo escritor francês Marcel Proust de “possuidora de qualidades encantadoras”, ainda que dotada de “defeitos insuportáveis”, em seu romance célebre Sodoma e Gomorra.
É amplamente conhecido o saber do papa Francisco sobre o contingente homossexual, embora esteja cada vez mais indignado com as hipocrisias dos que pregam uma moral estupidamente estreita, numa duplicidade inúmeras vezes por ele denunciada nas suas homilias matinais na Casa Santa Marta. Uma delas: “Por trás da rigidez, há sempre alguma coisa escondida, em inúmeros casos, uma vida dupla.” E o autor Martel é categórico: “Ao ignorarmos a dimensão largamente homossexual, nos privamos de uma das principais chaves de compreensão da maior parte dos fatos que há várias décadas tem manchado a história da santa sé: as motivações secretas que incentivaram Paulo VI a ratificar a proibição dos métodos contraceptivos artificiais, o repúdio ao preservativo e a obrigação estrita ao celibato dos padres; a guerra contra a “teologia da libertação”; os escândalos do banco do Vaticano na época do célebre arcebispo Marcinkus, também ele homossexual; a decisão de proibir o preservativo como meio de luta contra a aids, no preciso momento em que a doença faria mais de 35 milhões de mortos; os casos VatLeaks I e II; a misoginia recorrente, e com frequência insondável, de inúmeros cardeais, e bispos; a renúncia de Bento XVI; a guerra atual contra o papa Francisco… Em cada uma dessas faces, a homossexualidade desempenha um papel central que muitos supõem, mas que nunca foi contado abertamente.”
O livro de Martel é memorável, uma excelente narrativa de não-ficção. Que realimenta intensamente a fé nas mensagens do Homão da Galileia, um iluminado que nunca fundou qualquer instituição.
Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social