1301 – DICIONÁRIO ALTERNATIVO


Já dizia o notabilíssimo Fernando Pessoa, um apaixonado pelas causas portuguesas, tal e qual o psicólogo pernambucano e irmão amado Fernando Sardinha, sediado na Capital Federal, como eu do poeta também xará, que “quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma”. E foi mais além o autor de Tabacaria: “a palavra falada é um fenômeno natural; a palavra escrita é um fenômeno cultural”.

Entretanto, alguns termos banalíssimos estão sendo entendidos de uma maneira totalmente diferenciada das análises semânticas mais especializadas. Recente levantamento efetuado em diversas regiões brasileiras possibilitou aos estudiosos aquilatar a densidade do problema, tomando por base as redações do Enem. Alguns “fenômenos” pesquisados merecem aqui registro, para favorecer os levantamentos pósteros:

Armarinho – ar que vem do mar;

Karma – expressão mineira para evitar o pânico;

Obscuro – OB na cor preta;

Paralítico – período da Terra em que nada se movia;

Abreviatura – ato de se abrir um carro de polícia; e

Genitália – órgão reprodutor dos italianos.

Intrigado, resolvi pessoalmente investigar, indagando de alguns a respeito do significado de algumas expressões nacionalmente conhecidas. O meu bloquinho de papel quase se rasga todo de tanto rir. Até a caneta esferográfica utilizada resolveu, quase ao final da pesquisa, se esborrar toda, descontroladamente, não suportando a estridência risadal oferecida pelo material coletado. Eis um resumo do apreendido em alguns dias de andança, todos os níveis sociais sendo auscultados, da feira ao shopping, passando por supermercados, farmácias, ambulatórios e serviços públicos, resguardadas as identidades de cada entrevistado, alguns deles portadores de especializações várias, acometidas aqui e no exterior:

Abaixo – letra A com pouca altura;

Detergente – ato de prender indivíduos suspeitos;

Halogênio – cumprimento dado a pessoas de QI muito elevado;

Determina – prender uma moça;

Preservativo – produto utilizado para preservar ativo quem o utiliza;

Alopatia – dar um telefonema para uma tia;

Destilado – aquilo que não está do lado de lá;

Zunzunzum – na Fórmula 1, momento em que o espectador percebe que os três líderes da prova acabaram de passar na sua frente;

Bacanal – reunião de bacanas;

Esfera – animal feroz amansado;

Barbicha – boteco de desvairadas;

Fluxograma – direção em que cresce o capim;

Evento – constatação de que realmente não é um furacão;

Unção – erro de concordância muito frequente, posto que o correto seria “um é”;

Homossexual – sabão em pó para lavar as partes mais íntimas do corpo;

Patogênico – pato que sai bem em fotografia;

Utopia – lavatório imaginário, inventado pelo sanitarista inglês Thomas Morus;

Jurisprudente – diz-se do grupo de jurados que declara inocente o filho do bicheiro que, em legítima defesa da honra e apenas levemente embriagado, bombardeou o asilo de velhinhos cegos Nossa Senhora do Amparo;

Microcomputador – anão com cólica renal;

Trigal – cantora baiana elevada ao cubo;

Novamente – indivíduos que renovam sua maneira de pensar.

Acordei com uma vontade imensa de abraçar o Povo Brasileiro, aquele povão que o João Ubaldo Ribeiro consagrou em seu livro famoso Viva o Povo Brasileiro, tendo ele mesmo, posteriormente, lançado um outro, também notável, denominado A Casa dos Budas Ditosos, especialmente destinado aos absolutamente despreconceituosos, sem os balacobacos que o derredor nos impõe. Mas com a brasilidade que tanto necessitamos, após o reinado de alguns verborrágicos do Planalto.

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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social