1297 – PARA EMPREENDEDORES DE MESMO


Era uma vez um pardalzinho que odiava deslocar-se para outras plagas, todas as vezes que o inverno se aproximava. Por esse motivo, deixava sempre para última hora a ideia de abandonar seus teréns por uns tempos. Costumeiramente, despedia-se dos companheiros, retornando ao ninho para mais uns bons dias de aconchego.
Certa feita, com um tempo já desesperadamente frio, ao iniciar seu voo deparou-se com uma chuvinha continuada. Molhadas as asas, estas se petrificaram, congeladas, fazendo o pardalzinho despencar das alturas, caindo num interior de uma vacaria de pequeno porte.
Quando já se imaginava próximo do fim, o pardalzinho recebeu uma descomunal carga excremental, oportunamente quentinha, de uma vaca que de costas para ele se encontrava.
Apesar de todo bostado, o pardalzinho de logo percebeu que aquela massa fétida derretia rapidamente o gelo acumulado das suas asas, aquecendo-o providencialmente, tornando-o muito distanciado da morte prematura que parecia se avizinhar.
Sentindo-se feliz, plenamente reaquecido, o pardalzinho começou a cantar alto e bom som, desapercebendo-se por completo de um enorme gato que o espreitava estrategicamente, atraído pelos seus trinados, e que, de uma só abocanhada, matou-o instantaneamente.
Esta história, a mim contada por Cinderela, uma das queridas amigas pernambucanas, enviada por um espetacular canal-amizade da Internet, reflete quatro ensinamentos morais, dignos de serem aqui repassados para os leitores atentos, aqueles mais atentos às idas e vindas e voltas que o mundo dá.
O primeiro ensinamento proclama que “nem sempre aquele que caga em você é seu inimigo”. O famoso ditado “topada só bota pra frente”, muito ouvido nas camadas populares, reflete, contraponto felicíssimo, a lição encerrada naquela advertência.
O segundo ensinamento revela que “nem sempre aquele que tira você da merda é seu amigo”. Uma lição ainda muito desapercebida por inúmeros eleitores nordestinos, responsáveis por feudos oligárquicos conservadores, perpetuados pela gratidão eterna dos “beneficiados” que continuam vítimas.
O terceiro ensinamento é oportuno para muitos: “desde que você se sinta quente e confortável, conserve o bico calado, mesmo que situado num monte de merda”. Reclamar muito, por tudo e todos, quando num se pode dar um passo seguro, é o mesmo que futucar leão faminto e solto com vara bem curtinha.
E, finalmente, o quarto ensinamento da parábola do pardalzinho é chave de ouro dos anteriores: “quem está na merda não canta”. Traduzindo: deve-se procurar a melhor das alternativas, jamais se distanciando de uma consistente simancolidade, capacidade de se perceber imaturo, incompleto ou muito inconveniente.
O italiano Domenico De Masi, em seu livro A Emoção e Regra, conhece bem a história do pardalzinho: “Nessa nova sociedade, que privilegia a produção imaterial, as necessidades do indivíduo são outras: tempo e privacidade, amizade, amor, ócio inteligente e enriquecedor, e a convivialidade. A última coisa que interessa é a ostentação”.
PS. Recomendo com alegria incontida a leitura do livro do cientista brasileiro Marcelo Gleiser intitulado A simples beleza do inesperado, Rio de Janeiro, Record, 2016, 192 p. Segundo o cientista recentemente premiado, “o sentido da vida é viver em busca de sentido. É no ato da busca, na experiência do novo e do inesperado, que damos sentido à nossa existência.” Uma porta que foi aberta por Allan Kardec para a investigação científica, que ensejou a prova definitiva da alma para os cientistas materialistas dos últimos dois séculos, valendo-se da apometria, uma técnica de investigação da alma humana. Uma lição amplamente apregoada por Chico Xavier, que dizia: “Ninguém evolui, nem prospera, nem melhora e nem se educa, enquanto não aprende a empregar o tempo com o devido respeito”. Principalmente se atentar para o que apregoava Eisntein, onde “a distinção entre passado, presente e futuro não passa de uma ilusão.”
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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social