1296 – PANGARÉS E FAROLAGENS
De quando em vez, deparo-me com um atoleimado ser humano pela frente. Abilolado, como dizia minha vó Zefinha. Sem entender bulhufas de uma contemporaneidade cada vez mais dinâmica, destila besteiras por todos os poros, irracionaliza fatos do cotidiano mais simples, perambula rodeado de crenças malucas, retratando um subdesenvolvimento mental que é o pior de todos eles, segundo Gunnar Myrdal, um famoso economista europeu. E vive a engabelar ele mesmo e o seu derredor com suas invencionices e presepadas, bostarias puras, tal e qual o Tite à frente da seleção nacionada brasileira.
O João Silvino da Conceição, esse arretado PhD em coisas da vida, costuma dizer que todo pangaré que fica sempre olhando para os seus problemas, será por eles derrubado. E cita não sei quem, alguém que ele leu e muito gostou: “Os fatos costumam ser neutros; são as crenças que afetam nossas formas de pensar, sentir e agir”. Ele ficou impressionado com uma entrevista concedida pelo Stephen Hawkings, esse eternizado físico britânico que era portador de uma crescentemente gravíssima doença neurológica, quando ele declarou, certa feita, estar se sentindo muito feliz por ter contribuído para um melhor conhecimento das origens do Universo! E o Stephen estava à época recém-casado!!
Numa das últimas visitas que fiz à casa-quase-casebre do Silvino da Conceição, conversa vai, conversa vem, cerveja sem álcool sempre gelada e uns pedacinhos de queijo coalho para desenfastiar o estômago, ele me disse que bem vive quem sabe entender as três regras de um jogo de damas. Atendendo a minha curiosidade, declinou-as: 1. não se pode fazer duas jogadas por vez; 2. somente se pode mover para frente; 3. quando se chega na última fila, se está livre para se ir onde quiser. E arrematou, riso franco, peito aberto, sem medo algum de ser feliz: “Se todo pangaré soubesse aplicar as regras de um jogo de dama, logo deixaria de ser um pangaré cheio de estrepolias”. E concluiu, cheio de convicção: “Todo ser humano que sofre antes do necessário sofre mais do que o necessário”.
Gosto muitíssimo de papear com o Silvino da Conceição, principalmente quando, vez por outra, insatisfações múltiplas parecem querer catapultar meu otimismo realista para bem longe. Quando de minha visita última, já portão aberto e abraços de até-outro-dia dados, ele presenteou-me com uma das suas, uma “saideira” de primeiríssima: “Quando alguém se considera um ser humano puro e simples, e com um terceiro acontece o mesmo, então é natural se encontrarem para um bate-papo sempre aberto, as diferenças administradas com sabedoria e paciência recíprocas. Quando, entretanto, um deles se considera uma altíssima montanha, o outro pensando o mesmo, as convergências jamais acontecerão. Montanhas podem ser altas, mas jamais podem se tocar…”
De retorno às minhas atividades profissionais, ainda mais cônscio como aprendiz das responsabilidades doutrinárias e às vésperas de concluir mais um texto de leitura reflexiva, lido com muita fraternal interdependência com a minha mulher, fortaleci o meu “senso identificatório”, sentindo-me alguns mil-réis mais apto na identificação dos pangarés da província, para rejeitar suas farolagens, que apenas ampliam inquietações e desconfortos. E bem mais afiado na identificação das “montanhas” do Silvino da Conceição, charladores que se auto-intitulam com esse ou com aquele título, apenas para engabelar panacas, como se todos fossem remelosos lambaios dos seus conjunturais postos de mando. E fiquei a rememorar uma advertência do jornalista H. L. Mencken, o maior iconoclasta norte-americano: “Todo homem prudente, ao lembrar-se de que a vida é curta, deveria dispensar uma hora ou duas, de vez em quando, para um exame crítico de suas amizades”. Para verificar se prestaria para ministro do STF, por exemplo. Sempre sabendo usar seu discernimento, enterrando pretensões descabidas com odor de sacanagens múltiplas.
No mais, é não esquecer Mário Quintana: “A mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer”. Quintana e Silvino da Conceição, doutores de Vida, sem brasões nem lamentações.
POR QUÊ? O QUE NOS TORNA CURIOSOS
Mario Livio, Rio de Janeiro, Record, 2018, 252 p.
E buscaram responder algumas perguntas existentes no livro, esclarecendo as razões pelas quais a curiosidade é o ingrediente principal da criatividade em todos os ramos de vida, além de principal agente motivacional:
– As crianças são mais curiosas que os adultos?
– A curiosidade é um produto direto da seleção natural?
– Por que algumas questões aparentemente triviais nos deixam curiosos?
– Por que nos esforçamos tanto para decifrar os sussurros de uma conversa na mesa ao lado de um restaurante?
– Como a nossa mente escolhe os objetos de nossa curiosidade?
A leitura deste livro irresistível e muito divertido, muito poderá ampliar os hábitos de leitura e pesquisa de jovens e adultos que tremem diante de qualquer obstáculo cognitivo encontrado, acovardando-se e pondo tudo nas mãos do Criador, ampliando ignorâncias e complexos, provocando ingenuidades dos mais diferentes níveis, imaginando-se ainda os últimos da espécie.
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Fernando Antônio Gonçalves é pesquisador social